RESUMO
Reich acreditava ser possível construir um mundo melhor. E para isso, percebeu a necessidade de um trabalho preventivo, ou seja, desde o início da vida, pois os agentes dessa mudança são as chamadas por ele de Crianças do Futuro. Apenas intervindo precocemente na formação do caráter é possível criar indivíduos capazes de melhorar nossa sociedade. Há diversos fatores a serem considerados em uma proposta de prevenção de neuroses. Enfoco, nesse artigo, na psicodinâmica dos conflitos psíquicos protagonizados pelos pais com a vinda de um bebê e nas influências que estes fantasmas podem acarretar no desenvolvimento da criança.
Palavras-chave: Conflitos Parentais. Crianças do Futuro. Interação Pais/Bebê. Prevenção. Reich.
THE PARENTS GHOSTS AND THE CHILDREN OF THE FUTURE
ABSTRACT
Reich believed it was possible to build a better world. And for this, he realized the necessity of preventive measures, in other words, since the beginning of life, because the agents of these changes were called by him as the Children of the Future. Only by interfering in one’s character formation at early ages is it possible to raise individuals capable of improving our society. There are a number of factors to be considered in a neurosis prevention proposal. In this article, I focus on the psychodynamics of psychic conflicts led by parents as a child is born and the influences these ghosts can cause in the child’s development.
Key words: Children of the Future. Parental Conflicts. Parents/Baby Interaction. Prevention. Reich.
Ao contrário de Freud, Reich acreditava que a natureza do homem é saudável, amorosa e compatível com a vida em sociedade. Quanto maior a capacidade de satisfação das necessidades, ou seja, quanto mais próxima à auto-regulação (genitalidade) uma pessoa estiver, menos neurótica e mais saudável ela será. O homem, porém, perdeu a capacidade de entrar em contato com o cerne biológico da sua existência, reproduzindo sem consciência e de geração em geração a forma neurótica de viver. A única maneira de romper com essa cadeia de repetições é investindo nas crianças para que se desenvolvam de forma natural e saudável; só assim é possível a construção de uma sociedade melhor. Esse artigo tem por objetivo trazer uma contribuição à discussão dos aspectos relevantes a serem considerados em uma proposta de prevenção de neuroses, especialmente em relação aos conflitos presentes nos pais na difícil tarefa que é gerar e criar uma criança, considerada do ponto de vista emocional, “saudável”.
“As necessidades humanas são formadas, transformadas e especialmente também subjugadas pela sociedade; assim se forma a estrutura psíquica do homem.” (REICH, 1968, p. 24). Reich (1968) sempre enfatizou a importância da influência da sociedade no desenvolvimento do caráter das pessoas. A atual estrutura humana, construída por cerca de 6.000 anos, é caracterizada pela supressão da vida natural, especialmente da sexualidade natural. A cultura, o Estado e a Igreja subjugam a vida impulsiva, criando indivíduos submissos a autoridades e, ao mesmo tempo, sádicos. Mas a adaptação à sociedade é apenas uma função secundária, ou seja, apenas o resultado; “A função primária do encouraçamento sistemático de gerações recém-nascidas, serve para que o homem não entre em contato com o terror que o aflige, quando encara qualquer tipo de expressão vital.” (Reich, s/d, p. 14). Assim se forma e se reproduz a neurose e seus sintomas. Como podemos, então, mudar essa distorção tão enraizada dentro de todos nós?
“O destino da raça humana dependerá das estruturas de caráter das Crianças do Futuro.” (Reich, s/d, p. 5). Reich percebia que a melhor forma de mudar o mundo era intervindo desde o início: investindo nas crianças, promovendo sua saúde emocional e energética para que se desenvolvam como adultos saudáveis. Nós, os adultos de hoje, podemos servir apenas como transmissores às crianças do que fizemos de errado e procurar remover o máximo de obstáculos no caminho destas na construção de um mundo novo. Devemos equipar nossas crianças com o tipo de estrutura de caráter e vigor biológico para que possam encontrar seu próprio caminho e construir um futuro melhor para as próximas gerações. Mas para isso, é necessário que saibamos quais os aspectos indicativos de saúde. Sabemos que há muitos estudos sobre as psicopatologias, mas há raríssimos estudos sobre quais seriam as características de uma pessoa saudável. A tentativa da psiquiatria em compreender o que seria uma criança saudável através do estudo da patologia foi falha, carecendo de um aprofundamento (REICH, s/d).
Reich (s/d) foi pioneiro em perceber a importância de pesquisar a saúde do ser humano não apenas no âmbito psíquico, mas principalmente energético. De 1939 a 1949, quarenta profissionais da saúde e da educação orgonômica selecionados pelo Orgone Institute se dedicaram ao estudo da criança saudável. Foi criado o Centro Orgonômico para a Pesquisa sobre a Infância (OIRC) como uma organização de pesquisa para recém-nascidos.
O trabalho do OIRC iniciava na escolha dos pais. Este parecia ser o maior dos problemas, pois os pais, os educadores, os médicos e outros que têm influência na criação de uma criança trazem o peso da educação equivocada que receberam, advinda da sociedade doente em que vivemos. Posteriormente, o trabalho se concentrava no desenvolvimento da criança, começando pelos cuidados pré-natais de gestantes saudáveis. Nestes, se incluía: orientação econômico-sexual para os pais durante a gravidez, especialmente em relação à descarga orgástica, eliminação de práticas prejudiciais ao desenvolvimento do bebê; medidas higiênicas de rotina, utilização do acumulador de orgon, exames constantes do comportamento bioenergético do organismo, principalmente da pelve (REICH, s/d).
A outra tarefa era a supervisão do parto e dos primeiros dias de vida do recém-nascido, período decisivo no desenvolvimento: a maioria das depressões, as cisões esquizofrênicas e o caráter esquizóide advêm desta etapa. Havia um psiquiatra com a função de cooperar com a mãe no sentido de tentar entender as expressões bioenergéticas do recém-nascido, removendo obstáculos que pudessem aparecer. Durante os primeiros cinco ou seis anos de vida, período em que a estrutura básica do caráter se forma, o trabalho se focava na prevenção do encouraçamento, para posteriormente estudar o desenvolvimento destas crianças até muito depois da puberdade. A ideia era proteger o desenvolvimento natural da auto-regulação desde o nascimento, procurando remover cuidadosamente qualquer encouraçamento que possa aparecer (REICH, s/d).
Uma das constatações advindas desse estudo é que a primeira defesa aprendida por uma criança ao nascer é a contração: o bebê leva um choque de temperatura ao sair do útero, é dependurado pelas pernas, leva um tapa e é separado da mãe. Assim, se aprende o “não” emocional: o primeiro “não” à vida (Volpi; Volpi, 2003).
Reich (s/d) prestava primeiros socorros a crianças que sofreram alguma repressão e estavam a caminho de um encouraçamento crônico. Este tipo de atendimento só pode ser dado por pessoas com uma boa estrutura, que não sofrem de ansiedade genital. A pessoa emocionalmente bloqueada tende a criar idéias equivocadas sobre como lidar com uma criança, pois seu julgamento se afasta da realidade, o tornando incapaz de estar sensível às demandas e necessidades daquele pequeno ser.
As crianças têm uma maleabilidade energética e emocional muito maior do que o adulto. Apesar disso, encontramos “[...] muitas crianças nas quais o fluxo emocional foi detido bem no começo e que já estão emocionalmente ‘mortas’, logo após o nascimento.” (REICH, s/d, p. 52). O OIRC se propunha a desenvolver critérios objetivos para diferenciar as reações inatas e naturais, daquelas desenvolvidas secundariamente em função de deturpações da estrutura bioenergética do recém-nascido. Segundo Reich (s/d), a criança auto-regulada não precisa de uma educação compulsiva, pois está de acordo com sua natureza que é basicamente decente e livre; já a criança encouraçada precisa de disciplina, pois sua estrutura é formada por impulsos secundários sendo, portanto, frágil e incapaz de se auto-regular, não tolerando a liberdade.
Como a criança não está totalmente encouraçada como o adulto, o trabalho com elas é simplesmente remover obstáculos para seu desenvolvimento natural em direção à genitalidade plena. No OIRC eram feitos trabalhos de orientação aos pais, analisando seus sentimentos, procurando compreender a situação como um todo e desbloqueando as couraças musculares nas crianças com toques e trabalhos de expressão emocional. Podemos observar como Reich (s/d, p. 53) acreditava na possibilidade de uma sociedade melhor e na grandiosidade de seu sonho:
"Cada trabalhador neste campo deve saber que, ao lidarmos orgonomicamente com crianças, estamos participando da revolução mais radical na vida humana, nunca antes empreendida ou sonhada. Estamos trabalhando com as raízes profundas daquelas que provavelmente são as piores contradições da natureza humana. Devemos confiar nas raízes fincadas na natureza de nossos bebês para o futuro da cultura e civilização. [...] Neste trabalho não se aplicam táticas, estratégias políticas, manobras, compromissos, nem evasões. O único que importa são as crianças e sua vida. Só elas oferecerão uma resposta a esta confusão".
Baker (1980), um dos colaboradores de Reich nesse projeto, traz os itens necessários para uma boa avaliação de um bebê. Primeiramente, deve-se saber a história deste: as circunstâncias da gestação e do parto (dificuldades enfrentadas, se aquele filho foi ou não desejado, medicamentos usados...). Após, deve-se observar e adquirir informações sobre o comportamento do bebê desde o nascimento (amamentação, engatinhar, sono, se seu choro é expresso de maneira espontânea...) e as possíveis queixas ou sintomas que a criança possa ter. E por último, analisar a atitude da mãe (seus sentimentos pela criança, como está lidando com toda a situação, se desenvolveu ou não a ansiedade genital).
Quanto ao exame do bebê, o orgonomista deve estar atento a sua aparência (feliz, chorando, assustado, pele rosada, olhar vivo), comportamentos, movimentos do corpo, tensões musculares e capacidade de se soltar, de relaxar, de respirar profundamente e de se expressar com facilidade. É fácil liberar bloqueios em bebês, mas em função de sua fragilidade, deve-se agir com muita delicadeza (Baker, 1980).
Quanto ao quesito “atitude da mãe”, (1980) aponta vários aspectos a serem considerados. Trarei alguns deles para discussão, começando pelo acréscimo do pai, afinal as mudanças com a vinda de um filho afetam intensamente a ele também. Iniciarei pelo momento de transição do casal para a parentalidade.
A vinda de um bebê para a família é um momento crítico, em que muitas mudanças ocorrem na rotina das pessoas envolvidas. A mãe geralmente se encontra mais vulnerável psicologicamente no período pós-parto. Se essa vulnerabilidade for muito intensa, podem ocorrer distúrbios na interação dos pais com o bebê (Maury, 1999).
Conforme Navarro (1995, p. 127), na gestação “[...] há um aumento de energia e um reforço do narcisismo primário da futura mãe. O equilíbrio e a ‘calma’ neurovegetativa desse período propiciam um bem-estar que é a fonte do desenvolvimento da afetividade materna.” A secreção da progesterona torna a mulher mais receptiva, e suas energias psíquicas se tornam mais introvertidas. Se essas tendências receptivas como, por exemplo, ser gratificada por dois, e o reforço do narcisismo primário, que é uma forma saudável de cuidar de si, não forem bem acolhidos ou frustrados pelo círculo social, podem ocorrer prejuízos no desenvolvimento da afetividade materna.
A ansiedade e a depressão tendem a desaparecer durante a gravidez, pois o organismo utiliza todos os seus recursos a fim de proteger essa nova vida. Há uma revisão do equilíbrio do organismo, o que se configura como uma oportunidade de se reorganizar a personalidade, “[...] enriquecendo-a com a utilização do aspecto narcisista: trata-se de um egocentrismo fisiológico, sobre o qual a evolução da gravidez influi. Esta evolução está ligada ao ‘como’ se realiza a identificação mãe-criança.” (NAVARRO, 1995, p. 128).
De acordo com Navarro (1995), a identificação mãe-criança pode ocorrer de duas formas: numa fusão físico-psíquica com isolamento narcisista, em que as mulheres se sentem mais bonitas e completas durante a gravidez, com tendência à depressão após o parto; ou há uma concentração de energia narcisista na criança dentro da mãe, o que pode levar a um estado depressivo desta durante a gestação, sem prejuízos no parto. A atitude mais saudável e madura por parte da mãe é a dupla identificação: consigo e com o bebê (Navarro, 1995).
O início da gestação é vivido de maneira ambivalente pela mãe, pois de um lado há o desejo de ter um filho e de outro, há um incômodo quanto à procura de um novo equilíbrio existencial. Pensamentos negativos reprimidos aparecem em forma de vômitos. Aos poucos, vai se criando um estado passional, aumentando com o segundo trimestre com a maior aceitação da criança em função da constatação da movimentação desta dentro do útero, significando, para a mulher, que o feto está vivo e, portanto, que ela é uma boa mãe. No terceiro trimestre há uma preocupação com a estética ligada à exibição social, e a atenção vai se voltando para o parto (Navarro, 1995).
O parto e o pós-parto são períodos críticos. Nestes, conflitos intra ou interpsíquicos podem ser reativados, desencadeando crises. Tudo depende do nível de maturidade emocional e energética dessa mãe e da maneira como o parto ocorre (Navarro, 1995). Falo aqui de maturidade no sentido dado pela vegetoterapia, em termos de desenvolvimento rumo à genitalidade, ao caráter maduro. Portanto, a forma como a mulher significa e vive sua sexualidade é determinante neste processo.
Ao mesmo tempo em que os pais desenvolvem atitudes intuitivas frente a um recém-nascido no sentido de protegê-lo, de estar atento e responder bem a suas necessidades, eles também trazem para a relação preceitos e regras inconscientes oriundas de sua própria infância. Lembranças deste período, as formas das identificações com seus pais, os conflitos nas relações familiares, costumam influenciar na atual relação com seu filho. Cenários de infância são reproduzidos: por exemplo, um adulto cujos pais eram ausentes repetirá a “receita” ou agirá de maneira oposta, superprotegendo seu filho como um mecanismo compensatório para seus conflitos de infância mal elaborados. Assim, as heranças de família vão sendo transmitidas de forma inter e transgeracional, e o bebê vai se tornando presa neste emaranhado de histórias de vida. Um dos mecanismos utilizados pelos pais é a projeção: processo psíquico em que uma pessoa transpõe sobre outra seus próprios conteúdos psíquicos. Por exemplo: o pai que teme que o filho seja fraco; a mãe que acusa a filha de ser agressiva; os pais que percebem a criança como insegura, tratando-a dessa maneira e consequentemente fazendo-a se sentir assim... Dessa forma, eles passam a agir de acordo com seu inconsciente parental (CRAMER,1999).
Desde o momento em que descobrem a gravidez, os pais já passam a criar uma imagem da criança que está por vir, que vai de acordo às suas expectativas. Na maior parte do tempo, os pais já sabem o sexo do filho antes deste nascer. O significado do nome atribuído à criança é um dado bem relevante do que os pais desejam transmitir de sua história. Assim, o processo de filiação vai se desenvolvendo. Lebovici (1999, p. 68) sugere, em consultas psicoterápicas de pais e bebê, “[...] fazer os pais contarem sua própria infância, suas reações à educação recebida e o julgamento que fazem de seus pais sobre sua conduta de criança.” Ambos devem falar do casamento, das condições em que este ocorreu. Os conflitos infantis dos pais determinam a natureza das identificações do filho com eles. Assim, é possível dar os contornos de uma criança que traz certos traços de caráter advindos da história de vida de seus pais.
Para mulher, esse processo geralmente é mais intenso, reavivando especialmente a forma como viveu a relação com sua própria mãe, a maneira como constituiu sua feminilidade, sua auto-imagem de mulher. O desejo de gravidez tem todo um significado que opera no seu inconsciente, influenciando a forma como viverá a espera pelo seu filho.
Se os conflitos parentais forem demasiados a ponto de se reproduzirem na relação com o filho, os conteúdos fantasmáticos fazem com que a afiliação cultural se torne quase impossível (LEBOVICI, 1999). Se, ao contrário, o processo ocorrer de forma mais livre, tendo os pais maior consciência de si e de seus processos, sem que estes interfiram no desenvolvimento da criança, esta se constituirá de forma mais saudável. Reich (s/d) fala da importância de os pais reconhecerem e avaliarem seus próprios sentimentos, assim podendo eliminá-los; a tentativa de não entrar em contato com eles os empurra ao inconsciente e faz com que os pais tenham atitudes irracionais e prejudiciais para a criança. O autor traz o caso de um menino que começou a gaguejar, fazendo o pai sentir seu orgulho ferido; com a ajuda de Reich e com a conscientização dos pais, os sintomas desapareceram.
Cada vez mais estudos comprovam o quanto o bebê reage a estímulos desde o período da gestação. Várias pesquisas mostram sua sensibilidade em relação ao meio utilizando mímicas e vocalizações como forma de comunicação e seus recursos para interpretar as comunicações do adulto:
“[...] por exemplo, no último trimestre de seu primeiro ano, observam a mímica de sua mãe e determinam seu comportamento (exploratório, por exemplo), em função do que ‘lêem’ no semblante materno. Se a mãe faz uma cara inquieta, renunciam à sua exploração e se voltam retraídos para ela; se, por outro lado, a mãe está sorridente, interpretam isso como um encorajamento e aventuram-se mais adiante em sua exploração do meio.” (CRAMER, 1999, p. 92).
É muito importante estar atento à qualidade da interação do bebê com seus pais: “As interações têm funções essenciais para a psique, garantindo a ligação de competências, de afetos e de representações; [...]” (RENARD & RABOUAM, 1999, p. 101). Aspectos como sincronia, mutualidade, sintonia afetiva favorecem uma troca positiva e, consequentemente, o desenvolvimento sadio da criança. Intrusão, sobrecarga, carência de afeto e assincronia, pelo contrário, determinam interações patológicas e patogênicas. Nestas últimas, é comum se observar a formação de sintomas, distúrbios do apego e desestruturações das relações precoces (CRAMER, 1999). De acordo com Maury (1999), a criança pequena se utiliza prioritariamente da via somática para significar um estado de sofrimento psicológico.
O recém-nascido precisa de um contato caloroso e acolhedor, estando sempre perto de sua mãe. Ele deve poder mamar sempre que quiser, pois é um momento importante no aprendizado da satisfação de suas necessidades. O desmame deve ser progressivo, respeitando o ritmo da criança, assim como todos os outros aprendizados relativos ao desenvolvimento (falar, andar, controle dos esfíncteres, desenvolvimento da sexualidade genital...). Os estados de espírito da mãe e a harmonia do casal influenciam o bebê, lhe transmitindo mensagens; por isso, é importante o bem-estar da família. Deve-se sempre procurar aliviar o sofrimento do bebê para que ele não se estresse demais, formando as couraças (NAVARRO, 1995).
No nosso desenvolvimento passamos por várias etapas que deixam registros em nossa memória celular. O conjunto dessas experiências vai formando nosso caráter: nossa forma de agir e reagir no mundo. Se a criança passar por todo esse processo com estresses, traumas, frustrações, ela desenvolverá o caráter neurótico, aquele com muitos bloqueios, incapaz de se auto-regular. Se, ao contrário, ela passar pelas etapas sem comprometimentos entre seus impulsos naturais e as frustrações do meio, ela desenvolverá o caráter genital, aquele que é auto-regulado e, portanto, saudável, amoroso, satisfeito, livre, decente, orientado ao prazer (Volpi; Volpi, 2008).
Infelizmente, o caráter genital ainda é uma utopia, um modelo de saúde, do qual só conseguimos adquirir alguns traços, após um bom trabalho terapêutico. Mas podemos caminhar para a construção de uma sociedade mais propícia ao desenvolvimento de indivíduos próximos a este caráter, como sonhava Reich, investindo nas Crianças do Futuro. Reich (s/d) relata vários casos tratados no OIRC que deram bons resultados, permitindo à criança seguir sua natureza, mantendo sua capacidade de se auto-regular, ou recuperando-a. Baker (1980) também relata casos em que tratou crianças e orientou os pais, obtendo melhoras na saúde da criança. A escola de Navarro (1995) propõe grupos de vegetoterapia pré-natal para os pais, o que trouxe grandes resultados, verificados através da constatação de partos mais tranqüilos, mais rápidos, menos dolorosos entre as mulheres do grupo, devido à diminuição da ansiedade e medos e do relaxamento dos músculos da pélvis.
Com base no exposto pelos autores, podemos acreditar que esse projeto é possível e dá grandes resultados. Mas para isso, uma proposta de prevenção de neuroses deve levar em conta essa complexidade de fatores dos quais pudemos ter uma noção através dos temas abordados ao longo do artigo. O encouraçamento dos pais e seus conflitos inconscientes fazem com que ajam de maneira prejudicial com os filhos, reprimindo e bloqueando sua expressão vital natural. É de fundamental importância trabalhar a consciência dos pais nessa difícil tarefa que é criar uma criança, os orientando a estarem atentos a si próprios, seus sentimentos, suas frustrações, suas expectativas, para que não projetem na criança o que não pertence a ela.
Há pouco conhecimento sobre a imensa importância dos cuidados que devemos ter com as crianças a fim de que se desenvolvam de maneira saudável. As pessoas não têm idéia do quanto suas ações e sentimentos influem na criança. Pequenos detalhes fazem grande diferença em se tratando de um ser tão sensível e maleável como um bebê. Acho muito importante que este conhecimento seja difundido, que as pessoas compreendam e passem a proteger o princípio vital, se quisermos oferecer para nossas crianças a possibilidade de serem mais livres e desenvolverem todo o seu potencial como ser humano, construindo uma sociedade melhor.
REFERÊNCIAS
BAKER, E. O Labirinto Humano: As causas do bloqueio da energia sexual. São Paulo: Summus, 1980
CRAMER, B. A técnica das terapias breves pais/crianças pequenas. In: GUEDENEY, A.; LEBOVICI, S. (Org.) Intervenções Psicoterápicas Pais/Bebê. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999, p. 91-99.
LEBOVICI, S. As consultas Psicoterápicas. In: GUEDENEY, A.; LEBOVICI, S. (Org.) Intervenções Psicoterápicas Pais/Bebê. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999, p. 63-71.
MAURY, M. Intervenções psicoterápicas nos bebês e seus pais no hospital. In: GUEDENEY, A.; LEBOVICI, S. (Org.) Intervenções Psicoterápicas Pais/Bebê. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999, p. 119-133.
NAVARRO, F. A Somatopsicodinâmica: Sistemática reichiana da patologia e da clínica médica. São Paulo: Summus, 1995.
RABOUAM, C.; RENARD, L. O papel da avaliação na intervenção psicoterápica em crianças pequenas. In: GUEDENEY, A.; LEBOVICI, S. (Org.) Intervenções Psicoterápicas Pais/Bebê. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999, p. 101-110.
REICH, W. A Revolução Sexual. 8ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
REICH, W. Crianças do Futuro. Curitiba: Centro Reichiano, s/d.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Crescer é uma Aventura! Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal. 2ª ed. Curitiba: Centro Reichiano, 2008.
VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. Reich: da vegetoterapia à descoberta da energia orgone. Curitiba: Centro Reichiano, 2003.
Artigo apresentado como requisito parcial ao Curso de Especialização em Psicologia Corporal, ministrado pelo Centro Reichiano / RS e publicado na Revista Psicologia Corporal, vol 12, p. 28-37, Curitiba, Centro Reichiano, 2011.
AUTORA
Luciana Garbini De Nadal / Porto Alegre / RS / Brasil
Psicóloga formada pela UFRGS (CRP 07/16819), Especialista em Psicologia Corporal – Centro Reichiano / PR, Terapeuta de EMDR, terapeuta de Brainspotting avançado, Formação em Orgonomia Aberta (Stolkiner). Massagens Bioenergéticas (Ralph Viana). Meditações Ativas.
E-mail: lucianagarbinidenadal@gmail.com
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