RESUMO
Diferentemente de Freud, Reich tinha uma visão positiva da vida: ele acreditava que a natureza do ser humano é amorosa. Sua abordagem terapêutica tem por objetivo resgatar o princípio vital que se encontra sufocado no indivíduo pela repressão social. Assim é possível entrar em contato com nossa essência e liberar todo o potencial presente em nós. O objetivo desse estudo é trazer a visão de vários autores sobre o que há de mais profundo em nós, que é nossa essência.
Palavras-chave: Coração. Espiritualidade. Essência. Energia. Sexualidade.
A visão de Wilhelm Reich de que o ser humano é naturalmente moral quando seu principio vital é preservado destoou da idéia da psicanálise que só reprimindo os impulsos é que poderíamos viver em sociedade. Esse fato modifica de forma substancial a condução da terapia: Reich acreditava no potencial do ser humano para amar e ser feliz. As abordagens pós e neo-reichianas trazem no seu âmago esse legado de Reich, buscando o que há de melhor no paciente: seu potencial de se curar e ter satisfação na vida.
De acordo com Lowen (1970), o ser humano é tanto um animal, quanto um depositário da cultura. Quando esta tenta controlar ou modificar a natureza animal surgem os conflitos: a pessoa virará um animal domesticado, cujo potencial criativo é desviado para fins lucrativos ou terá uma natureza animal atormentada e rebelde, apresentando comportamentos destrutivos.
"O processo de domesticação só consegue ir ate certo limite. Atrás da atitude submissa encontraremos uma camada de desafio e rebelião associada a negativos e reprimidos sentimentos hostis. Atrás da rebelião explicita e da destrutividade de muitos jovens de hoje encontra-se uma camada de submissão associada a sentimentos reprimidos de medo e desespero". (LOWEN, 1970, p. 229)
Em nenhum desses casos há auto-aceitação e criatividade. A terapia precisa passar por essas camadas alcançando o âmago do indivíduo. É necessário restaurar a inocência e a fé em si mesmo e na vida para abrir o coração de alguém à alegria. É um processo de aceitação da criança dentro de si, resgatando a espontaneidade, a curiosidade e a alegria, mas com a maturidade de um adulto desenvolvida através da experiência de vida (LOWEN, 1970).
Para Lowen (1982) a essência é o coração. Formamos defesas ao longo de nossas vidas para não sermos mais machucados, nem traumatizados como no passado. Essas defesas protegem o coração dessas experiências, mas acabam ficando tão rígidas que viram uma prisão, impedindo uma vida plena. Uma terapia bem conduzida leva o paciente à conexão com seu próprio coração sufocado por várias camadas de defesa: camada mais superficial do ego, camada das tensões musculares e camada das emoções primitivas. Em uma pessoa relativamente desbloqueada, todos os impulsos fluem a partir do coração. Ela não carrega mais dentro de si a carga emocional do passado, conseguindo responder de forma equilibrada e genuína às situações da vida, sempre colocando o coração em tudo o que faz.
Boadella (1992) traz três significados à palavra coração: o fisiológico, como a bomba que faz os fluídos circularem, o centro do sentimento e o coração como essência interna. O coração do segundo significado é abordado através de terapias que trabalhem a abertura de sentimentos. O autor cita Pierrakos na afirmação deste que é necessário incluir a espiritualidade no processo terapêutico, na consciência de afirmação da vida. Para Boadella, trabalhar a essência de uma pessoa na terapia é penetrar na verdadeira habilidade curativa. Pelo que pude compreender, essa habilidade curativa seria o terceiro significado da palavra coração. Uma pessoa cujo fluxo energético estivesse livre, se movimentando em qualquer direção sentiria profundidade em tudo o que ela experimentaria; este estado, porem, é muito raro. Podem ocorrer momentos desta iluminação momentânea, como numa entrega profunda a um orgasmo espontâneo descrita por Reich. Essa entrega só é possível quando não há separação entre sexualidade e amor, nem entre sexualidade e espiritualidade.
Em uma pessoa encouraçada, o impulso do amor encontra a barreira da couraça, sendo então distorcido em crueldade e ódio. Quando um indivíduo assim entra em contato com seu cerne biológico, as correntes de energia o aterrorizam, pois não está preparado para entrar em contato com tanta vida; esta é a chamada angústia orgástica. A pessoa encouraçada carece de autenticidade e tem seus movimentos limitados, enquanto que a pessoa desencouraçada experimenta seu self como uma unidade em movimento. A vida é movimento (REICH, 2003).
Os movimentos orgásticos vibratórios surgidos após um abrandamento da couraça podem levar a pessoa a um profundo contato cósmico. O chamado anseio orgástico ou anseio cósmico é o desejo de reintegração com o mundo. Somos separados do mundo desde que nascemos, desde que fomos castrados ao passarmos pelo corte do cordão umbilical, pois o mundo era nossa mãe. A meta da terapia orgonômica é capacitar a pessoa a funcionar como uma totalidade no momento do orgasmo ou outras situações de profunda entrega (STOLKINER, 2008).
Stolkiner (2008) cita Gurdjieff em sua definição de essência: aquilo que somos verdadeiramente desde que nascemos e que pode se desenvolver. A essência cresce nos nossos primeiros anos de vida, sendo esta ativa, enquanto a personalidade, que seria nossa existência superficial, é passiva. Porem, conforme nos desenvolvemos dentro da nossa sociedade neurótica, essa relação se inverte, nos tornando pessoas superficiais e desconectadas com a natureza. Ainda existe a falsa personalidade, que é nossa máscara social. Assim, nos afastamos de nossa profundidade. Uma possibilidade de crescimento é voltar a tornar a essência ativa e a personalidade passiva, desenvolvendo em nós nosso pleno potencial.
Esse crescimento é o estabelecimento da genitalidade que é a verdadeira maturidade emocional. Assim, nossa vida caminha para a liberdade, a criação, o amor e a paixão. De acordo com Osho (s/d) uma pessoa torna-se madura no momento em que passa a amar no lugar de precisar de amor.“A meta da orgonomia, por definição, é restabelecer a unidade ou a totalidade do fluxo e da pulsação energética no ser humano” (STOLKINER, 2008, p. 339). Assim, diminuímos a fragmentação a que estamos submetidos, ou seja, abrandamos as couraças, a ponto de sermos capazes de termos momentos de entrega plena. Nestes momentos, funcionaríamos como uma totalidade.
Para Boadella (1992) o desenvolvimento da consciência diz respeito a um processo progressivo de funcionar mais a partir da força e da clareza do coração. Um coração aberto permite a abertura do abdômen, levando a um aprofundamento dos sentimentos. Assim, a pessoa se torna capaz de se alimentar internamente, transformando sua vida.
“A tarefa de todas as verdadeiras terapias e dos ensinamentos essenciais de todas as verdadeiras religiões é nos reconectar com a profundidade de nosso ser” (BOADELLA, 1992, p.151). Para isso, deve-se ajudar a pessoa a encontrar sua firmeza interior, fonte de onde brota sua energia curativa, para que possa se integrar novamente. Essa conexão com a essência permite que aflore todo o potencial inerente de cada ser humano, despertando a alegria e o prazer de viver.
Referências
BOADELLA, D. Correntes da Vida. São Paulo: Summus, 1992.
LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982
LOWEN, A. Prazer. Uma abordagem criativa da vida. 7 ed. São Paulo: Summus, 1970
REICH, W. Eter, Deus e o Diabo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
OSHO. Relacionamento, Amor e Liberdade. Shanti Editora. s/d.
STOLKINER, J. Abrindo-se aos Mistérios do Corpo. Porto Alegre: Alcance, 2008.
Artigo criado como base para a comunicação oral A conexão com a essência na terapia apresentada no 20º Congresso Brasileiro de Psicoterapias Corporais do Centro Reichiano / PR e disponível nos Anais do congresso no site do Centro Reichiano no seguinte endereço:
AUTOR e APRESENTADOR
Luciana Garbini De Nadal / Porto Alegre / RS / Brasil
Psicóloga formada pela UFRGS (CRP 07/16819), Especialista em Psicologia Corporal – Centro Reichiano / PR, Terapeuta de EMDR, terapeuta de Brainspotting avançado, Formação em Orgonomia Aberta (Stolkiner). Massagens Bioenergéticas (Ralph Viana). Meditações Ativas.
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